8.3.09

Do Pobre Horácio

Havia mais coisas no céu e na terra e num certo canto escuro da garagem do que ele poderia imaginar. Era ainda criança quando se apercebeu que era pequeno e ignorante. Depois aconteceu-lhe aprender e compreender cada vez mais e melhor, amontoando noções e conceitos como se quisesse chegar algures. Mas ele não queria chegar a nenhum lado e tudo quanto aprendia era digerido como um prato de puré frio, alimento sem gosto. Tornou-se ilustre na arte pública de não ser nem mais nem menos do que dele era esperado, as palavras assisadas e os modos medidos em mediocridade irreprimível. Uma pessoa como as outras, mais ainda do que as outras, de exuberante virtude no ser assim sem ser mais nada.
Um dia ocorreu, como por vezes em alguns dias ocorre, que teve uma ideia original, um pensamento novo, coisa brilhante e ditosa por meio de tantas que o não eram. O homem encheu-se de surpresa e caiu num estado de entusiasmo febril. O mundo parecia rir e ele com o mundo, as cores multiplicavam-se e não havia sentidos que pudessem absorver todas as extravagâncias que ele ia descobrindo nos locais mais suspeitos. Nas flores tristes dos jardins públicos via ele cornucópias de perfumes refinados, os miúdos ranhosos que lhe pediam moedas eram anjinhos inocentes de cabelos doirados e a cidade cinzenta e suja onde vivia parecia-lhe a Paris dos postais ilustrados.
Deu assim em ser feliz. Atrás daquela ideia veio outra e outra ainda e sentia-se bem o pobre homem, como se fosse natural. Viveu o resto dos seus dias sem rugas na testa e dizendo o que pensava a quem o quisesse ouvir, sem o menor respeito pelo que houvera sido. As gentes olhavam e abanavam a cabeça, uma pessoa assim... tantos anos de estudo e trabalho para acabar naquele estado e nem se dar conta. Ficavam muito tristes as gentes, mas depois lá lhes passava e iam à vida delas.

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